MÃE!!!

MÃE!!!
Ela era uma Rosa

A vida não pára!

Paciência

Lenine

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não para...

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara...

Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...

O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...

Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não...

Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para...

A vida não para...

http://www.youtube.com/watch?v=sXmWAOIWg3w


















Páginas

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Perder uma amiga

Eu tive uma amiga.
,
E quando eu percebi a certeza do "tive" fiquei muito triste.

Ela me salvou em várias situações na escola, quando éramos pré adolescentes.

Eu era uma aluna pobre numa escola de ricos; uma aluna acanhada numa escola de meninas que já tinham descoberto a moda, o poder da beleza e do encanto, a malícia da sedução e o jogo do namoro.

Eu era inocente. Completamente.

Essa amiga que eu perdi me acolheu numa classe de crianças preconceituosas e cruéis. Eu tinha certeza da amizade dela. Crescemos. Separamo-nos por uns anos e nos reencontramos mais tarde, ambas já casadas e com filhos. Ambas separadas.

Reatamos uma amizade que sempre fora perfeita, e foi como se tivéssemos nos encontrado ainda no dia anterior, sem nenhum lapso de tempo entre um encontro e outro.

Era era meu modelo. Muitas vezes, minhas inspiração.

Ela é linda e manteve-se magra e bonita por toda a vida. É otimista, alegre, dança bem e acredito que não tenha nenhum problema de saúde, principalmente os ligados à obesidade.

Ontem, com muita saudade, fui procurá-la no facebook e, para minha surpresa, estava lá: "Enviar solicitação de amizade".

Ela desligou-se de mim. Tal fato nunca mais vai deixar que eu olhe prá ela como sempre olhei. Nunca mais terei a segurança dessa amizade, nunca mais pensarei nela como aquela que nunca me abandonou. Sim, não vou negar que ela me salvou algumas vezes, muito distante no tempo, tão distante que parece que nunca existiu.

Superei? Não, que perseguições por colegas não são superadas. Ficam prá sempre na alma, cravadas a fogo.

Esquecerei? Espero que sim. Porque não quero essa amizade brilhando dentro de mim como estrela já morta, da qual ainda vemos a luz. Morreu, morreu.

Lamento? Muito. Principalmente porque uma vez a elogiei tanto para minha irmã que acredito que esta tenha ficado com um pouco de ciúmes. E não tenho mais como consertar isso, que percebi muuuuuuuuuuuuuuuuuuuitos anos depois do acontecido.

Mas também não procurarei mais por ela. Se um dia ela voltar, eu a aceitarei, mas não será mais a mesma coisa. Eu já vi que muitas vezes, na vida, a amiga era só eu. A outra parte era só uma oportunidade, uma coisa leviana e momentânea.

Dói? Um pouco, sim. Mas dói o vazio que ficou de tudo aquilo que eu imaginei que era, não só o vazio da amizade. Morreu em mim uma ilusão de alguém que, no desabrochar da vida, tinha bondade suficiente para socorrer uma criança desambientada.

Tenho vontade de contar para minha mãe e para minha irmã isso que aconteceu, mas não existe nenhuma possibilidade. Então, paciência. É a segunda amiga que perco assim, sem maiores explicações. A primeira, não sei porque foi. Não sei nada do que aconteceu. Não faço a menor ideia. Essa, talvez tenha sido por política, já que na página dela está um 17 verde, e claramente ela é de direita, o que nunca serei. Mas há mais compreensão em mim por ela do que nela por mim.

Um dia isso calcifica dentro da minha cabeça e eu não penso mais. Tomara.

sábado, 27 de junho de 2020

Chuva em Caraguatatuba

Às 4h da manhã de ontem (há exatamente 24 horas) começou a chover em Caraguatatuba.

Durante o dia parou, mas o céu ficou nublado. Fresco, o ar.

Uma sexta feira tranquila.

Fui ao quintal, arranquei um pé de mandioca, lancei um rápido olhar para o lugar onde ela "descansa" e vim para dentro lavar as raízes.

Daí a pouco começou a chover novamente. Esfriou.

Pelo whatsapp, conversando com os filhos, veio-me a triste ideia de que ela estaria gelada, na chuva.

-Animais amados nunca esfriam, disse minha primogênita. Eles continuam aquecidos pelo amor que nós demos a eles durante a vida.

- Ela está protegida com a roupa rosa, disse o marido. Você fez bem enterrando-a com a roupinha que ela adorava.

Verdade. Quando estava frio, bastava pegar a roupinha que ela vinha se oferecer, enfiando o rostinho para dentro da gola. Deixava por os bracinhos sem nenhum esforço, totalmente dócil e cooperativa.

Mas a ideia que me bateu de repente foi dela estar gelada, passando frio, mesmo com a roupinha.

O que eu fazia? Pegava-a no colo, bem apertadinha, e levava-a para minha cama. Eu nos cobria e a abraçava, de conchinha. Ali dormíamos até que ela se esquentasse bem e resolvesse levantar. Levantávamos juntas e íamos lá fora, para que ela fizesse um xixi.

Hoje não foi assim. Eu tive que aguentar o desespero de pensar que ela estaria lá fora, sozinha, sob a terra molhada, e estaria gelada. Sem um colo e uma cama quente.

A ideia de que o amor que demos a ela a mantém quente me conforta um pouco porque, como dizem meus filhos, se alguém foi amada nesse mundo, foi ela.

Amada, mimada, acarinhada, afagada, saciada... Teve quase tudo o que desejou. Guloseimas, passeios de carro, a pé, caminha nova, guia e coleira peitoral cor de rosa, colo sempre que quis. Banho quente, no meu banheiro, no meu chuveiro. Coisas que a maioria não tem.

Mas mesmo assim ainda estou doendo. Não é remorso. É saudade. Falta. Vazio.

Choveu manso em Caraguatatuba. Mas choveu sobre ela. Espero que minha filha tenha razão. O amor que demos a ela a mantém aquecida nessa inverno que apenas começou. Mantenha-se aquecida, meu bebê. O amor que temos por você será capaz disso.

Amor prá sempre, Amy. O quanto você precisar. Mamãe.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Amy - estrela.

 Deitada na caixa no quintal, pegando um pouco do calor do sol, do jeitinho que ficava perto de mim, na sala. Dia 19 de junho. No dia 18 ela estava esperta, foi até à porta, latiu para as outras, bebeu água e andou. A partir daí, não conseguiu mais andar sozinha e parou de beber água.

No dia 12 ela tomou soro o dia todo, na Clínica Praia Pet. Fui buscá-la à tarde, ela tomou bastante água e ela dormiu bem.

Desde o dia 13 estava sendo alimentada pela seringa de 20 ml que o dr Fabrício me deu.

Eu passava patê de carne, gema de ovo, vitaminas e um pouco de leite de soja pela peneira e dava a ela de 4 a 5 vezes por dia.

A semana toda. Na noite do dia 19 ela ainda aceitou. Fomos dormir bem tarde, como de costume.

Ela a meu lado, na cama, gemendo muito e querendo um abraço. Dormimos assim por um tempo depois ela quis descer. Passou o resto da noite em sua caminha nova, vermelha. Coberta e com sua roupinha rosa.

Dia 20 eu me levantei e fiz carinho em sua barriga. Disse que ia tomar banho.

Quando eu voltei, ela já não respirava. Abriu-se um vácuo dentro de mim. Eu nunca sentira tanta solidão.

16 anos dormindo com ela, que me seguia pela casa e pelo quintal. Que tinha ciúmes de mim, tanto pelos filhos quanto pelas outras cachorras.

Cobri o rostinho dela, de olhos embaçados que eu não consegui fechar, e fui lá fora fazer a coisa mais triste que eu já tive que fazer: cavar uma sepultura pra minha mais amada companheira.

Cavei entre dois pés de pitaya. Voltei e perguntei a ela se ela tinha mesmo certeza. Coloquei-a de lado, como está dormindo nessa caixa. Cobri-a com terra fria, os rostinho deixei pro fim. Coloquei algumas folhas secas de banana por cima e, perto de sua cabecinha, plantei dois galhos de rosa.

Das que minha mãe amava, sem espinhos. Não tive coragem de voltar lá, ainda.

Minha querida amiga Michelle ficou comigo um bom tempo ao telefone, me consolando. Isso me ajudou muito. Outra amiga muito querida, Márcia, também me ligou quando soube, e ficou um tempão me consolando. Essa eu trago desde a infância, desde o primeiro ano do "Grupo Escolar", quando tínhamos seis anos.

Não sei levantar sem olhar pro lugar dela, que agora está vazio. Em toda parte da casa ainda acho um pelinho preto. E me assusto. A ausência dói. Muito.

Toda vez que me levanto da cadeira do computador ameaço pular o lugar onde ela se deitava.

Amy, sua falta será sempre sentida. Vou amar você prá sempre, Pêto Vicente. Meu amorzinho preto de olhos brilhantes, petinho e peludo, como dizem meus filhos, mimada e amada, carregada no colo como bebê e protegida. Muito amada. Muito. Outra hora conto a história do nome dela também ser Filipinho Atinho.

Outra hora. Por hoje, já sofri demais. Amy. meu bebê de 4 patas e peludo. O último animalzinho que teve a presença de todos os meus filhos em casa. Agora meu ninho está muito mais vazio.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

A Rainha do Rodeio

- Você quer uma cachorrinha chamada Amy?

- Sim.

A cabecinha do menininho de 6 anos exibiu o sorriso mais lindo do mundo.

Daí uns dias fomos buscá-la no sítio.

Era uma bolinha de pelos pretos. Olhinhos brilhantes. Colocaram uma fita rosa na cabeça dela, e uma fita azul na irmãzinha.

Ficamos com ela e ela se tornou o xodó da casa. Conforme os filhos foram crescendo, mais a mim ela se achegava, até que ficamos só nós duas.

Na copa de 2014, nós duas longe de casa, morando sozinhas na praia, eu era dispensada do serviço mais cedo por causa do jogo e corria para casa, com a desculpa infindável  de que tinha que arrumar a mudança. Enfiávamo-nos embaixo das cobertas, juntinhas, e uma esquentava a outra. Dormíamos até à noite, quando saíamos para dar uma voltinha pelas ruas. Talvez até o pier, já que o lugar era calmo e seguro.

Atualmente assisto a uma série na Netflix que se chama Heartland. Amo. E a protagonista se chama Amy. E trabalha com cavalos. Por isso o título desta. Quando da chegada da minha bolinha de pelos, havia na televisão uma história/novelinha de uma órfã chamada Amy, que meus filhos assistiam comigo. Por isso o nome da poodle pretinha de olhos brilhantes.

Hà uns dez dias ela começou com uma tosse indescritível. Veterinário, cardiologista, raio X, ultrassom, eletrocardiograma. Remédios.

No raio X, uma mãozinha deslocada. Veterinário de novo. Vitaminas para as articulações, um anti-inflamatório. Mais remédios. Vômitos. Falta de apetite. Diarréia.

Cada vez mais fraca, ela não está se levantando para comer, e tudo o que eu ofereço ela recusa.

Meu emocional está no zero. Meus filhos me consolam, mas isso não é fácil. E eu não quero sobrecarregá-los.

Amigos são centrados nos próprios problemas, geralmente. É difícil precisar de ajuda em tempos de epidemia. Quero mudar-me de país, de sistema de governo, de Planeta. Tenho outras cachorras (grandes) e uma gata. Só Amy mora dentro, comigo e a gata. Tem a cama dela, a caixinha onde passa o dia perto de mim, no computador, entre a sala e a cozinha.

Já sinto tanto a falta de como ela era há uns anos... Ela já não ouve nada. Nem os trovões, nem as bombas distantes, nem os carros, nem as palmas. Ela, que sempre ficava alerta quando alguém se aproximava de mim, já não tem disposição prá isso.

Sei que ela estará sempre em meu coração, mas sei também que os dias dela ao meu lado estão terminando.

Isso dói demais. Não há nada que eu possa fazer. Se eu pudesse, ela ficaria para sempre ao meu lado, sem nenhum sinal dos tempos. Ouvindo, enxergando, correndo e brincando. Para sempre.

Eu sinto que ela está partindo. Não sei o que fazer. Queria ser menina e ter o colo da minha mãe para poder correr para ele. Mas minha mãe também já partiu...

Sinto-me sozinha, principalmente quando a noite avança.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Dia de casamento.

Sabe, Ju, é claro que ela queria encontrar o amor da vida dela. Ela queria um casamento dos sonhos, com véu e grinalda.

Mas aí a costureira disse que não fazia aquele tipo de vestido, e não podiam gastar mais do que já estavam gastando indo atrás de quem o fizesse.

Depois a costureira disse que aquele modelo de vestido e enfeite de cabelo não combinavam com véu. Por que, Deus, ela não dissera aquilo antes? Porque o véu era um símbolo que ela queria muito usar. Não o usara na Primeira Comunhão e era importante usá-lo agora.

Então, Ju, ela foi fazendo como as outras pessoas queriam. Nada ela para ela.

A data foi de acordo com a disponibilidade dos parentes que viriam de fora. Ela era a noiva e se sentia traída por isso. Se o seu casamento era importante, porque as pessoas não poderiam perder um dia no emprego para ir vê-la? E se não pudessem, ela não queria essas pessoas em seu casamento.

Dos convidados, ela não conhecia metade. Isso também a incomodava. Não era isso que programara.

Da festa ela não tinha o que reclamar. Só que a toda hora alguém se achegava para dizer alguma coisa e atrapalhava a festa "dela".

Os tios esperavam para dançar com ela, já que seu pai arrumara um sanfoneiro famoso para tocar na festa. Mas ela quisera "dar um pulinho" em casa para se livrar daquele vestido horroroso e colocar uma calça jeans e uma camisa do seu pai. Dezenas de parentes chegaram atrás dela para tomar café. Ela não contara para ninguém que sairia da festa. Seriam só alguns instantes. Mas as pessoas quiseram conversar durante o café.

O mau humor foi tomando conta. E quando ela percebeu, seu então marido não quis voltar para a festa. Ela não dançou na própria festa de casamento que, para ela, só foi um martírio.

O marido queria ir embora logo da casa do pai dela. E ela não queria ir nunca. Até hoje dói em sua alma aquela noite. Os sobrinhos a ajudaram a livrar-se da fantasia de noiva, das meias piniquentas e dos enfeites de cabelo.

Ela fora embora e os sobrinhos ficaram chorando. Por muitos anos dormiram juntos, conversando até de madrugada, e agora ela iria embora. Foi chorando, também.
O casamento não foi o dos sonhos. Nem no dia,  nem depois.

Mas ela sobreviveu. Até hoje, Ju, ela tenta .encontrar alguém que a faça sentir-se como naquela época, em que ela tinha sonhos, planos e uma vida toda pela frente. Mas o tempo cobra seu tributo e não há mais tempo. Não há muita vida pela frente e ela sabe. Nunca mais terá um vestido de noiva com véu. Nem a noite de danças com seus tios divertidos. Uma parte da sua vida acabara naquela noite e, embora ela buscasse durante anos voltar a ser como era, nunca mais conseguira. Fora em frente aos pedaços. Pedaços de renda, de cetim, de tapete vermelho, pedaços de bolo congelado, pedaços de bouquet que ela não jogou... Pedaços de vida. Pedaços de alma.

Hoje, os pedaços de alma são o que lhe restou...


quinta-feira, 4 de junho de 2020

Sabe, Ju...Uma história de amor adolescente

Sabe, Ju. Ela queria muito ficar com ele. Mas ela tinha medo. Um medo terrível do que poderia acontecer. Ela tinha medo de ficar grávida quando ele a beijasse. Ainda mais depois que uma de suas amigas lhe disse que, quando a beijasse, ele enfiaria a língua em sua boca. Ela não dormiu naquela noite. Ficou apavorada. Não queria mais que o rapaz a levasse para casa. Porque ele tentaria beijá-la. Ela tinha só 13 anos, e não estava preparada para contar aos pais que estava grávida. Uma noite, ele a beijou suavemente. Ele também era um menino. Depois desse beijo, ela perguntou a uma professora se era verdade que um beijo poderia deixá-la grávida. A professora explicou que só um beijo não poderia fazer isso, mas o que vinha depois do beijo, sim. Aí ela ficou mais apavorada ainda. Depois do beijo ele passara a mão em seu rosto e em seus cabelos. Chorou. Chorou sozinha, a noite toda, e tomou a decisão de nunca mais vê-lo enquanto estivesse sozinha. Assim ela terminou com um amor lindo, que continuou por muitos anos morando no coração dele. Ela tentou viver outras histórias, mas em seus sonhos só aparecia aquele menino loiro, alto e lindo, que tinha um sorriso maravilhoso e um futuro brilhante. O único menino que sua mãe achara bonito em toda a sua adolescência, embora sua mãe não fosse de falar sobre isso. E hoje, Ju, mais de 40 anos depois, ela pensa nele como um menino lindo de 16 anos que estava na mesma escola que ela e que a amava. Nunca encontrou amor tão puro e inocente, e nunca conseguiu voltar para ele.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Balança, vento.

Não me lembro de que livro é. Talvez seja "Saudades", de Tales Castanho de Andrade. Um dos primeiros livros que me deixou triste. "balança, vento, balança, joga pitangas no chão. faz que nem minha esperança nos balanços da ilusão". Desde criança achei esses versos tristes. Hoje minha esperança balança num galho frágil, que ameaça se arrebentar a cada vento mais forte. Procuro me aproximar de uma amiga que eu sempre julguei fosse o ânimo da minha vida, e ela me confessa que não tem todo o ânimo que eu sempre acreditei que tivesse. Eu pergunto: o que será da minha esperança, num balanço em galho tão frágil? Preciso da companhia de alguém que tenha ânimo além do meu. Como minha irmã tinha. Prá tudo. Sempre disposta. Sempre pronta a arriscar. Sempre pronta a me fazer acreditar que as coisas poderiam, sim, dar certo. Sempre com uma solução onde todos punham problemas. Eu tento ser assim, mas não tenho a alma dela. Isso dói, porque encontrar alguém como ela é cada vez mais difícil. Encontrei uma vez, mas ela morreu numa explosão do helicóptero, e eu nunca pude esquecer a frase: "você vai se lembrar de mim cada vez que pisar num helicóptero". E assim foi. Ela, a pessoa que eu encontrei mais parecida com a minha irmã se foi numa manhã de domingo, trabalhando, porque era uma lutadora. Voava 24 horas por dia, 7 dias por semana. A alma mais generosa que conheci. E que me dava ânimo, porque acreditava que as coisas podiam ser melhores. Hoje, em meio à pandemia, eu vivo num país sem governo. Ou, pior ainda, num país com um governo genocida. Não tenho ânimo e meus amigos estão todos deprimidos. A nossa esperança está acabando. E o vento balança vigoroso, jogando as pitangas no chão... logo minha esperança cairá também. E não haverá nem Zi e nem Jô para levantá-la. O que será de nós, em tempos tão sombrios? Pior que uma guerra, pois o inimigo é invisível. Pior que terrorismo, porque este tem um culpado. E quando o culpado é o líder político do seu país? A quem pedir ajuda?

Jardim macabro

Míriam é o nome que aparece atrás. Assinatura de um quadro com um pássaro num ramo de flores. O primeiro quadro que ela pintou quando fazia aula de pintura em tela. Ela realizava um sonho que era meu; talvez por isso tenha desistido. O que me intriga é que fiz esse jardim numa hora em que eu estava aborrecida de tanto assistir a filmes e séries no computador e fazer crochê. Levantei-me e, olhando para o vaso de zamioculta semi destruído pela gata, com a casinha que havia sobra do um mini jardim também destruído por ela, peguei uns palitos de picolé e resolvi fazer as lápides. Isso foi antes da epidemia. Eu imaginei um cemitério enorme, imenso, a perder de vista. Mas eu imaginei isso como a cena de um filme, não como a realidade que atravessaríamos. Naquele dia eu não pensava em epidemia. O Covid 19 era só um vírus que aparecera do outro lado do mundo e a notícia de que ele já chegara aqui ainda não havia me atingido. Era só um jardinzinho meio macabro. Não era uma premonição, mas se tornou. Hoje temos um cemitério imenso, enorme, a perder de vista, de corpos que foram o amor de alguém, de mães, pais, maridos, esposas e filhos e irmãos. Um cemitério de um povo que não soube escolher seu líder. Um cemitério de um povo que não tem ideia de coletivo. Meu jardim vai ficar assim até a zamioculca brotar e tomar conta do vaso. Mas o impacto do jardim macabro nunca mais se apagará da nossa memória.